Pr. Márcio Cappelli

Caught in the Storm

Quando se aproximou o tempo da sua paixão e morte, Jesus disse aos seus discípulos e discípulas: “Eis que chega a hora, e já se aproxima, em que vós sereis dispersos cada um para sua parte, e me deixareis só; mas não estou só, porque o Pai está comigo. Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo (Jo 16.32,33).

Com essas palavras o mestre pretendeu animar e consolar aqueles homens e mulheres. Contudo, não pintou um quadro colorido. Deixou claro que o mundo é também lugar de solidão e aflição. Poderíamos dizer usando as palavras de Clarice Lispector em seu A Hora da Estrela: “a vida é um soco no estômago”.

Seguindo o rastro desse discurso de Jesus, me convenço cada vez mais de que não devemos ocultar nossas crises. Afinal, como cantou o poeta: “toda dor vem do desejo de não sentirmos dor”. Por isso, não podemos nos esquivar delas! Não é a toa que a Bíblia está repleta de lamentos como o de Davi, no salmo 22 (que inclusive foi usado por Jesus no alto da cruz), porque, tão importante quanto curar nossas dores, é saber chorá-las.

Gosto de pensar que nossa vida pode ser interpretada a partir do drama pascal. Este símbolo, sem dúvida, é uma chave poderosa e fundamental para o cristão abrir-se a outras perspectivas. Explico. Professamos nossa fé naquele que não escapou da escuridão do Getsêmani, da dor lancinante da cruz e do silêncio absoluto do sábado, antes de chegar ao domingo da ressurreição.

Não se trata, portanto, de incentivar uma espécie de “fé fácil” ao estilo happy end hollywoodiano, mas, ao contrário, destacar que, “a fé pascal tem no seu epicentro um paradoxo, da vitória mediante uma derrota absurda”, como diz Tomás Halík. Ou seja, não podemos esquecer que o Ressuscitado é o Crucificado.

Por isso, crer na ressurreição implica a coragem de tomar a própria cruz. Aliás, a Ressurreição de Jesus em sentido teológico e bíblico não é a ressuscitação de um cadáver como no caso de Lázaro (Jo 11), ou seja, um regresso a um estado anterior ou uma sobrevida. É, na verdade, um acontecimento de caráter escatológico que faz irromper um “novo status qualitativo da realidade.”

Isto não deve nos levar a um otimismo ingênuo (a opinião de que tudo continuará correndo bem), mas à esperança que, neste caso, tem a ver com a capacidade de assumir e reinterpretar até mesmo as coisas que não “correm bem”.

Significa que temos de assumir nossas crises e derrotas, mas não precisamos mais temê-las!

Talvez uma bela tradução dessa verdade profunda esteja na beleza da poesia de Francisco Otaviano: “quem não passou o frio da desgraça/ quem passou pela vida e não sofreu/ só passou pela vida, não viveu.”

Se enfrentarmos os sofrimentos e os re-significarmos à luz da morte-ressurreição de Jesus, seremos conduzidos à uma nova vida.

Para terminar, uma pequena história.

Após o naufrágio do Titanic, um jornal publicou, lado a lado, dois desenhos que interpretavam a tragédia. O primeiro retratava o pânico dos que não tinham lugar nos barcos e esperavam a morte. Logo abaixo, estava a seguinte legenda: “o poder da Natureza e a fragilidade do ser humano.”

Já o segundo desenho reproduzia a mesma situação, mas destacava homens e mulheres que em meio ao desespero cantavam com a orquestra o conhecido hino: “mais perto quero estar, meu Deus, de ti… ainda que seja a dor que me una a ti.”Logo abaixo, outra legenda: o poder do ser humano e a fragilidade da Natureza.

Que encontremos em Deus, a força necessária para atravessar as nossas dificuldades!

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