Pr. João Soares da Fonseca
Palpite Infeliz
Vai fazer um mês, no dia 12, que o ministro Paulo Guedes proferiu uma frase que teve péssima repercussão, e não sem razão. Na tentativa de justificar a alta do dólar e sua permanência nas alturas, ele disse: “Empregada doméstica estava indo para a Disneylândia. Uma festa danada. Peraí”.
Confesso que desconhecia essa informação, se verdadeira. Parece exagero. Mas bem interpreta o ranço preconceituoso que acomete boa parte da elite brasileira.
“…o Brasil tem 7 milhões de empregados domésticos… em sua maioria… mulheres negras, com baixa escolaridade que lutam para terem seus direitos respeitados. Atualmente, este número é maior que países da Europa, como a Dinamarca, que tem cerca de 5 milhões de habitantes”, como informa o site domesticalegal.com.br
A fala do ministro, certamente impensada, é daquelas que devem entrar para o anedotário político brasileiro, como a de Antônio Rogério Magri, ex-ministro do Trabalho e Previdência Social do governo Collor, ao explicar, no dia 22 de maio de 1991, que não havia nada de mais em seu motorista levar Orca, a cachorra da família, ao veterinário em carro oficial. Magri afirmou: “Ela é um ser humano como outro qualquer”.
A atitude do ministro Guedes revelou o que muita gente secretamente pensa, mas não tem coragem de admitir publicamente: que há um Brasil que não merece ter acesso a bens e serviços. Há um Brasil de subcidadãos, onde a desigualdade mostra as suas unhas. Não faz muito tempo, Martha Medeiros registrou o seu horror quando descobriu, na casa de seus pais, que o papel higiênico do banheiro da empregada não era o mesmo do restante da casa.
Em 1935, Noel Rosa compôs “Palpite infeliz”, cuja primeira linha pergunta: “Quem é você que não sabe o que diz?” Não fosse o fosso que separa Noel de Guedes, poderíamos achar que aquele fez o samba pensando neste.
Domésticas, negros, nordestinos, pobres… até quando as pessoas serão julgadas por sua aparência?
Pr. João Soares da Fonseca
jsfonseca@pibrj.org.br