Entre a Fé Comprometida e a Corrupção
(Números 21-36)
“O Senhor, autor e conservador de toda vida, ponha um homem sobre esta congregação,
que saia adiante deles, e que entre adiante deles, e que os faça sair, e que os faça entrar,
para que a congregação do Senhor não seja como ovelhas que não têm pastor.”
(Números 27.16,17)
Parecia encerrada a fase de rebeldia e murmuração. O povo chegara a Cades e acampara.
Seria mais um tempo de adoração e repouso. Miriã, a irmã de Moisés, morreu. É provável
que tenha sido curada de sua lepra, pela graça de Deus. Mas, morreu sem pisar a terra,
como aconteceu a todos quantos se rebelaram contra o Senhor. Faltou água no arraial. O
povo agora vai mais fundo na iniquidade: preferia haver morrido com os rebeldes, sob a
maldição de Deus, a passar sede ali. A falta de fé embaçou a visão do povo. A
incredulidade causou miopia e se espalhou. Até mesmo o líder Moisés terminou contagiado.
Moisés e Arão se colocaram diante do Senhor com o rosto em terra (20.6). Deus lhes dá as
instruções sobre o procedimento a seguir: “[…] Falareis à rocha diante do povo, para que ela
dê suas águas. Tirarás água da rocha e darás de beber à comunidade e aos seus animais”.
Contagiado pelo “mal” que se espalhara, Moisés vocifera contra o povo e golpeia a rocha.
O líder precisa cuidar-se da contaminação. A ele compete conduzir o povo de Deus.
Contaminado pela incredulidade, fere a rocha em vez de apenas falar à rocha. Fala ao
povo, quando Deus só mandou falar à rocha. Contaminado, Moisés perdeu a oportunidade
de continuar à frente do povo na conquista da terra prometida (20.12).
Quando Deus diz: sim, aos olhos humanos, pareceria o fim do projeto. Moisés e Arão,
porta-vozes de Deus, repreendidos e impedidos de entrar na terra da promessa. Arão morre
nas proximidades do Monte Hor por causa da rebeldia em Meribá. O povo chorou.
Depois do luto, a viagem se reiniciou. Na marcha, o povo deparou com tropas de Arade,
que pretendia não lhes permitir a passagem por seu território. Deus concede a Israel a
vitória, em mais uma mostra do que ainda lhes faria. Outras vitórias se seguiram contra
Hesbom e Basã. Entre os inimigos a enfrentar estava Balaque, de Moabe. Assustado com o
avanço dos hebreus sobre os seus vizinhos, o rei de Moabe manda buscar um profeta,
Balaão, para que amaldiçoasse os hebreus invasores. Balaão era um falso profeta, que
vendia seus serviços. Entretanto, mandou dizer a Balaque que Deus lhe havia impedido de
amaldiçoar Israel. Com a insistência de Balaque, Deus instrui Balaão sobre o que deveria
falar ao rei. Ao invés de palavras de mau agouro para Israel, Balaão os abençoou.
A história parece intricada ao apresentar um profeta pagão, circunstancialmente posto a
serviço da nobre casa do Senhor. Precisamos entender que os moabitas eram aparentados
com os hebreus (Gn 19.30-38), tendo, desta forma, alguns vestígios do temor ao Deus de
Abraão, de Isaque e de Jacó. Sua religiosidade se havia deteriorado, de modo a crerem que
com encantamentos poderiam determinar a vontade de Deus. O Senhor usou da ocasião
para dar uma lição aos moabitas e a seu profeta Balaão.
Quando Deus diz sim, não há forças ou circunstâncias que possam tornar esse sim em não.
No final do texto há um recenseamento do povo, algumas leis complementares, a ordem
para exterminar os cananeus (35.50-56) evitando, assim, a contaminação dos hebreus com
a cultura daquele povo e a fixação das fronteiras da terra a ser ocupada e a narrativa da
morte de Moisés e sua sucessão.
Na verdade, Balaão atuou como um agente duplo. Embora o texto não o declare, havia um
consenso em Israel de que Balaão, não podendo amaldiçoar a Israel com encantamentos,
instruiu a Balaque que seduzisse os hebreus com mulheres (Nm 31.16; Mq 6.5; 2Pe 2.15).
As mulheres teriam convidado os homens a participar dos rituais moabitas a Baal, e Israel
se contaminou. Por causa desse “deslize”, 24 mil líderes foram mortos. A falta de pudor e
domínio próprio dos israelitas fez o que Balaque não havia conseguido fazer com os
encantamentos.
Cuidemo-nos para que não sejamos contaminados pela miopia de outros, mas
mantenhamos nossos olhos naquele que é “o autor e consumador de nossa fé” (Hb 12.2).