Pr. João Soares da Fonseca

As Linhas do Tempo

Aprendo muita coisa com o Professor Benjamin. Ele tem apenas cinco anos; é o meu neto único até agora.

Em dezembro e janeiro últimos, Benjamin ficou em nossa casa, enquanto os pais resolviam várias coisas antes de se mudarem para a Noruega. Num daqueles dias, ele e eu estávamos brincando quando aproximei meu rosto do dele. Sendo a encarnação da curiosidade, ele fixou os olhos em minha testa, franziu a dele e perguntou: “Que listra é esta?”

De fato, tenho notado de uns tempos para cá que o tempo imprimiu em minha testa uma listra, como se tivesse a intenção de demarcar algum tipo de separação, algo como parte de cima e parte de baixo. E diferentemente das listras que Benjamin faz em seu corpo com uma caneta, esta não sai com água e sabão, nem com álcool em gel. É uma listra que veio para ficar e se multiplicar. Chegou sorrateira, como quem nada quer, a não ser me lembrar que a vida vai passando. Por enquanto é uma só, mas a que hoje se vê tem o dom da maternidade: com toda certeza gerará outras. São as listras que a passagem do tempo vai desenhando e multiplicando em nosso rosto.

Por que tanta gente tem receio de admitir a existência das rugas no rosto, como se elas fossem o “sinal de Caim” (Gênesis 4.15)? Alguns de nós beiram o desespero, quando o assunto é envelhecimento. O pessimismo para com as temidas linhas do tempo é tão grande que o poeta paraibano Augusto dos Anjos (1884-1914) colocou em verso a expressão “miséria anatômica da ruga”. Paulo, ampliando o elenco de mazelas que amargamos nesta vida, diz: “gememos… esperando a redenção do nosso corpo” (Romanos 8.23). Na eternidade, sim, nossos corpos não mais serão vítimas da decadência, nossos rostos estarão para sempre livres dessa “miséria anatômica”.

Enquanto a eternidade não chega, porém, peçamos ao Senhor que nos ajude a descobrir o privilégio que é envelhecer. Eis aí mais uma bênção que precisamos admitir para agradecer.

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